Ao folhearmos a 1ª e a 2ª série dos Cantos Populares de Portel, recolhidos pelo Sr. Artur Duarte, músico da marinha e publicados pelo Sr. J. ª Pombinho Júnior, edições de 1948 e 1949, respectivamente, constatamos que alguns daqueles cantos tem estruturas musicais do tipo modal, como nalgumas modas alentejanas.
Por exemplo na 1ª série os cantos “Laranja da China”, “Aldeia da Laranja” e “Que levas na garrafinha”, são desse tipo de música. Os finais desses cantos, o primeiro em Fá Maior e os outros dois em Sol Maior, terminam respectivamente em Dó e em Ré, sem a preparação necessária para a modulação ao tom vizinho, mas utilizando as formas de modo Eóleo. Na 2ª série, o canto de passar da Ribeirinha, tem também uma terminação modal e não tonal. Trata-se, pois, nestes casos, de um grupo de modas que passaram para Portel, talvez através da Vidigueira, de Cuba ou de Viana do Alentejo nas romarias à Senhora de Aires, ou dos frades paulistas da Serra da Ossa, que abriram escolas de cante popular em Serpa, no Baixo Alentejo, onde provavelmente teve origem o cante alentejano.
Até à Serra de Ossa ainda se podem ouvir os lindos corais alentejanos. Depois, os adufos e os pandeiros acompanham a música Regional do Alto Alentejo, que se caracteriza especialmente nas “saias”, que se destinguem em velhas e novas, aiadas, puladas e com estribilho. As “saias” novas são ou eram cantadas em Elvas no S. Mateus, pelos grupos de Campo Maior, Borba, Vila Viçosa e Amandroal, em despique.
Ora Portel, influenciado pela música coreográfica do Alto Alentejo, que se caracteriza especialmente nas “saias”, como já referimos, principiou ultimamente a juntar às vozes dos cantadores alguns instrumentos, com ritmos novos, coisa que nunca se viu até ali nas músicas alentejanas. E o pior é que Beja foi-lhe no encalce e afinou pelo mesmo diapasão, juntando-lhe ao canto e aos instrumentos, vozes femininas, em interpretações por vezes bizarras, pouco de harmonia com o tradicional cante alentejano. Há quem goste e quem não goste, pertencendo a este último grupo aqueles que ainda sabem distinguir entre uma cobra e um lagarto.
É claro que não é com duas cantigas azougadas que se muda a face da terra, que continuará a girar sempre à volta do sol.
O contrário seria a destruição do nosso planeta e dos seus colegas vizinhos e não sabemos se de mais alguns.
Não é tarefa fácil destruir a alma de um povo, por mais tentativas que se façam para o conseguir. Ela permanece sempre através de tudo, especialmente nas suas tradições. Ali deixa o homem e a sociedade que ela formou, bem vincada, a sua personalidade, a sua razão de ser e de viver. O Alentejo será sempre reconhecível através das suas velhinhas, nostálgicas e encantadoras modas, de cantadores bem unidos nas vozes, nos corpos, nos sentimentos e na vida.

Padre António Alfaiate Marvão,
Congresso Sobre o Alentejo - Semeando Novos Rumos,
Évora, Outubro 1985, I Volume, Págs. 104 a 107
Edição da Associação de Munícipios do Distrito de Beja

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